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Luiz Seabra: Um filósofo no mundo dos negócios – Parte II

Posted by Cottidianos on 12:19
Sábado, 20 dezembro de 2014

Somos o que repetidamente fazemos, portanto,
a excelência não é um feito, mas um hábito”.
(Aristóteles – Filosofo grego)


Nesta segunda parte do texto, apresento a entrevista de Luiz Seabra, fundador da indústria de cosméticos, Natura, ao programa Caminhos Alternativos, apresentado em rede nacional, pela rádio CBN. Quem dera que soubéssemos escolher sempre as palavras que curam, e evitar sempre as palavras que envenenam. Quão harmonioso seria nosso viver e quão rico seria nosso relacionamento para conosco mesmo e para com os outros que caminham ao nosso lado. Esse e outros belos ensinamentos, é o que se pode apreender desse texto.

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Luiz Seabra: Um filósofo no mundo dos negócios – Parte II

Enquanto muitos falam de números, ele fala de pessoas. Enquanto muitos pensam em liderança, ele fala do poder das relações. Enquanto buscam metas, ele faz um caminho para dentro de si. Levou 72 anos para ele chegar até aqui, mas Petrea,como será que foi esse caminho?

É isso que a gente quer descobrir hoje. Estamos aqui com Luiz Seabra. Ele é economista, fundador e membro do Conselho de Administração da Natura, uma das maiores empresas do país, reconhecida internacionalmente. É isso que a gente quer saber hoje?

Caminhos alternativos — Sr. Luís Seabra, bom dia.

Luiz Seabra — Muito bom dia. É uma alegria estar com vocês.

Caminhos Alternativos — Quando o Sr. começou aos 27 anos, numa lojinha aqui em São Paulo, nos Jardins, tinha já a dimensão de quem seria Luis Seabra, e aonde chegaria?

Luis Seabra – Não, não tinha, realmente. E eu não sei se alguém tem, exatamente, a dimensão do que ele possa contribuir, mas o fundamental é ter, de alguma forma, um objetivo na existência, uma meta, e a meta tem sempre que passar pelo outro. Quem é o outro na minha vida, na nossa vida, para que nós possamos fazer ideia de quem somos nós. Normalmente, o outro na nossa vida é apenas uma relação projetiva do que a gente quer do outro. Mas o que outro precisa de nós?

Caminhos alternativos — Agora, aos 27 anos foi quando você fundou a Natura. Não tinha ideia de onde fosse chegar, mas já tinha nessa época essa ideia que tinha que tocar o outro, de que tinha que entender o outro. Isso já ‘tava’ em você, ou já nasceu com você?

Luiz Seabra — De alguma forma, não. Não, eu não sei se nasceu comigo. Eu tinha, desde a minha adolescência, eu acreditava que cosmeticas, a cosmética em si, poderia trazer para a vida das pessoas algo de… Uma maior intimidade entre mente e corpo, foi isso que eu constatei quando comecei a trabalhar com cosméticos aos 25 anos… E me apaixonei definitivamente. Independente do que eu estudava, e o que eu percebia como mais frequente eram linguagens, eram convites para as pessoas se afastarem de si próprias, buscarem ideias estereotipadas do que vem a ser beleza. Só que cosmética, antes de mais nada, não deveria ter a ver com beleza, exclusivamente, com uma ideia abstrata de beleza e, sim, com algo ligado a bem estar, em habitar bem o nosso corpo que, afinal, a grande realidade de nossa vida, é o corpo que a gente tem para viver.

Caminhos alternativos — Mas essa consciência disso de você voltar para você, de saber quem você era, isso é muito claro, hoje, para você? Já sabe quem você é? Sabe qual é a sua verdade? Quando começou essa busca?

Luiz Seabra — Essa busca, talvez tenha começado ainda na adolescência, porque essa busca sempre me atraiu muito, independente de ter estudado economia, filosofia sempre me interessou muito mais. Foi a partir daquela época que ficou claro para mim, que a gente não tem apenas a inteligência da cabeça, a gente tem também a inteligência do coração e o que aquilo pra mim sugeria, ficou mais claro quando muitos anos depois, já tendo fundado a Natura e, após a fundação, tendo começado por dificuldades, que tínhamos, a eu próprio, atender as nossas clientes em uma lojinha pequena que você descreveu agora há pouco, ficou evidente para mim de que, eu não sou nada sem o outro, de que todas a vidas são interdependentes e de que tudo que tem vida, está relacionado de alguma forma, seja claro ou não, para nossa consciência, tudo é interdependente nesse nosso mundo, e isso nos torna corresponsáveis pela vida no mundo. Para aqueles que estão mais contemplados, de alguma forma, eles devem se envolver e se preocupar com a causa da vida, que é a preservação da vida planetária, mas voltando à sua pergunta, se eu tinha, desde sempre a consciência de pra que eu vim, eu acho que não. Essa pergunta está sempre presente, “Quem sou eu?” “Para que eu vim”, etc. O que na realidade tem ficado claro para mim,é que eu estou e me sinto profundamente em paz e grato por estar sendo, e, de algum jeito, me sinto também sereno com a efemeridade da minha vida. Porque, da mesma forma que somos feitos de tempo, é assim que eu percebo, nosso corpo é tempo, e ele é efêmero, mas nós temos centelhas de divindade, e isso nos torna eternos.

Caminhos alternativos — Como é que você fez para descobrir isso ao longo de sua vida, quando você disse que quando era mais jovem intuía essa questão do bem e de belo, quando lia os neoplatônicos que falavam de um belo tão distante do belo que a gente vive hoje. Quais foram os percursos que você passou, que você percorreu, as pessoas que você procurou para entender tudo isso que você entende hoje, acredito que tenha tido algumas pessoas que foram importantes nesse seu caminho…

Luiz Seabra — Tive. Se eu dissesse que não tenho mestres, eu estaria mentindo. Há muitos mestres. Eu posso mencionar Borges que é uma forma de presença extraordinária na minha vida. Posso mencionar Epicuro que me ensinou a escolher as palavras que curam e evitar as palavras que envenenam. Posso mencionar Platão, o próprio Plotino, ou voltar para a literatura e pensar em Montaigne que me tocou profundamente, voltando, porque me instiga muito, o nome do programa de vocês. A gente sempre tem que pensar em caminhos alternativos, porque o caminho do cotidiano, o caminho da alienação, é o que a civilização, como ela tem-se imposto, uma sociedade de consumo exorbitante, uma sociedade que propõe o excesso, afasta da vida, por incrível que pareça, ela mais nos aproxima da morte, e a gente tem a cada dia, que repetir o sim para a vida.

Caminhos alternativos — Em algum momento, essa tua percepção te traz angústia, ou já te trouxe, em algum momento, angústia, talvez até essa angústia que faça você buscar. O que que já em algum momento de tua vida te angustiou e te trouxe essa reflexão?

Luiz Seabra — Olha, o passar do tempo, me angustiava até os 40 anos de idade… Os 40, 45, depois, por contraditório que possa parecer, por paradoxal que seja, à medida que o tempo foi avançando o medo da morte passou a ser muito menor, porque é disso que nós estamos fazendo.

Caminhos alternativos — Em que as pessoas ficam enlouquecidas. O que vai ser do meu futuro, e buscam metas e planos de dinheiro. É possível traça o seu caminho. O Sr. acredita nisso: traçar o caminho, “eu quero isso para minha vida”, ou acha que esse caminho flui com naturalidade?

Luiz Seabra — Viver é escolher. A frase é um pouco clichê, mas a gente precisa fazer escolhas, se a vida vai corresponder, exatamente, a escolha feita, depende da meta estabelecida e depende da coerência que nós tenhamos entre o nosso chamado, que é nossa vocação e o que a gente passa a exercer na vida.

Caminhos alternativos — Qual é o seu chamado?

Luiz Seabra — É tudo ligado… A minha vocação fundamental é me relacionar. É desenvolver relacionamentos.

Caminhos alternativos — Ou seja, você fez do teu caminho e da tua empresa, vamos colocar assim, do seu império, porque a gente tá falando de uma empresa muito importante. Você fez dessa empresa uma manifestação de que você é?

Luiz Seabra — De alguma forma, acho que sim, mas eu nesta altura, fico preocupado de transmitir uma ideia de que a natura é o Luís… Não, eu acho que eu sou um dos que colaboraram para o desenvolvimento dessa empresa. É verdade também que no início, durante os primeiros anos da Natura, eramos eu e o meu sócio. Ele se dedicava mais a parte de embalagens, etc, e eu é que me relacionava com o pequeno mercado que tínhamos naquele período, mas a Natura é resultado, é um sonho coletivo, é o resultado da contribuição de um número muito grande de pessoas.

Caminhos alternativos — Essa visão de mundo já afetou o mundo empresarial, por exemplo, já sofreu algum tipo de preconceito dentro do mundo empresarial, de levar essa questão, o mais humanista por exemplo, para dentro de uma empresa?

Luiz Seabra — De uma forma que pode soar muito imodesta, eu acho que ao invés de despertar preconceitos… Durante muito tempo eu acho que a gente era visto muito como poeta, mas eu acho que as nossas opções, tanto nesse caminho do exercício da verdade, de compromisso com a verdade, como também dessa época em que estabelecemos melhor também, comunicamos melhor o comprometimento da Natura, relativamente aos princípios da sustentabilidade que vem a ser o seguinte: de compartilhar com as pessoas o que vem a ser o pensar e o sentir sistêmico. A gente tem que sentir sistemicamente, pensar sistemicamente, pra gente respeitar a vida. Eu sintetizo tudo isso como ética da vida.

Caminhos alternativos — Aí eu faço uma pergunta, colado nisso, seu Luís Seabra, como é que é transformar filosofia em ação? Como é que é ser um filósofo da ação? Como é que é ter uma filosofia que embasa o seu posicionamento, inclusive empresarial? Como é que é transformar filosofia em ação?

Luiz Seabra — Eu acho que se fosse possível trazer isso para uma pequena receita e não é possível, mas de toda forma, conciliar as questões ligadas ao abstrato, ao pensamento, ao pensar o mundo e a sentir a responsabilidade que temos no mundo também com uma visão muito pragmática do que sejam princípios de gestão.

Caminhos alternativos — Já que estamos falando de negócios, o que é o dinheiro para o Sr?

Luiz Seabra — É uma energia maravilhosa que, como toda forma de energia, precisa ser bem conhecida.

Caminhos alternativos — Conhecemos muito pouco dessa energia?

Luiz Seabra — O dinheiro, e cada vez mais têm-me parecido que assim seja, mais do que um meio e uma energia, é uma obsessão, como qualquer obsessão ele pode enlouquecer.

Caminhos alternativos — A gente está aqui conversando com o Luis Seabra, é impressionante a calma que ele passa para a gente, essa serenidade, essa tranquilidade. Nada te estressa, Luís Seabra? Como empresário, um grande empresário, que construiu esse império, o que te estressa? Nada te tira do eixo?

Luiz Seabra — Você sabe que eu falo tanto em compromisso com a verdade que quando eu ouço uma afirmação como a sua, eu tenho a impressão de que eu sou um grande mentiroso. Eu me estresso com muitas coisas. Eu sou perfeccionista. Às vezes eu fico criando caso com quem me acompanha por pequenos detalhes, mas ao mesmo tempo que me estresso, eu também me expresso e, percebendo a solidariedade do outro, tudo fica muito mais gostoso, muito mais fácil de ser vivido...

Caminhos alternativos — Você fala de você muito bem, como uma pessoa que se estuda muito. Quais foram os métodos que você já usou para se estudar. Em entrevistas que a gente pesquisou a respeito de sua vida, nós vimos que já teve terapia, tem uma busca, talvez, pelo que hoje seja o culto do conhecimento geral. O que talvez estivesse nas filosofias mais antigas. Quais foram os métodos que você usou para esse aperfeiçoamento de saber que você é.

Luiz Seabra — Bem, eu não tenho um método. A primeira coisa: Eu não tenho um método. Algo que é permanente na minha vida é o amor aos livros. Pra esse amor eu tenho sido inconstante, a esse amor eu tenho sido inconstante. Eu gostaria de ler muito mais do que eu tenho tempo físico pra fazer, mais de toda forma eu não perco a oportunidade e todos os dias em algum momento, alguma coisa eu leio, mesmo que seja esparçarmente, mesmo que seja abrir alguns… eu tenho algumas centenas de livros que eu respeito muitíssimo, mesmo que seja para abrir uma página à esmo e ver no que dá, que palavra estão esperando de nós e que palavras nós estamos esperando, estamos precisando ouvir. Nós somos herdeiros disso tudo. Esse tipo de consciência disso tudo pode nos ajudar a cada dia encontrar o caminho alternativo da auto-reinvenção.

Caminhos alternativos — O sr. faz o que muita gente sonha nesse mundo, que é viver períodos sabáticos. É o sonho de boa parte da humanidade. Eu queria saber o que acontece nesses períodos sabáticos. Como é que isso começou na sua vida, quando tempo dura, e pra que isso é tão importante?

Luiz Seabra — Eu já teve três períodos sabáticos … Não tem tempo determinado. Por que eu os imaginei como importantes? Eu quando cheguei aos 40, 40 e poucos anos de idade, a Natura já era uma realidade e eu sentia o seguinte: Eu trabalhei sempre com gente muito amável gente muito querida e muito construtiva. Então sempre tive cercado de circunstâncias muitos favoráveis e eu dizia o seguinte: “Mais isto aqui sozinho não… Eu estou muito protegido neste tipo de ambiente”. Então comecei imaginar que quando eu chegasse aos cinquenta anos, a partir de 50 anos, eu gostaria de sair das circunstâncias das geografias em que… Como a Natura, você já deve ter notado, a gente tem espaços bonitos, porque a gente acha que aquilo que a vida nos dá a gente tem que criar no nosso entorno. Quem fala em nome da beleza, que é o caso da Natura, nós temos que nos cercar de beleza. Agora isto tudo, não é sozinho, a vida exclusivamente, o que me dava ansiedade era ser o Luís Seabara da Natura e o Luiz, não é só o Luiz Natura, e a vida é mais do que as circunstâncias que temos dentro da Natura. Foi assim que eu comecei a imaginar que seria importante para mim, sair um pouco dos locais, quase que, de sonho e de trabalho, para viver um pouco mais o que vem a ser realmente a vida. Fui primeiro pra Paris, isto em 1995, e fiquei sete meses. Depois, em uma segunda vez, em 1999, aí já foi por dois anos 99 e 2000, fiquei em Londres, e uma terceira vez, aí um pouco mais longa, de 2005 a 2008. Tinha amigos, fazia longos passeios em parques diariamente, bate papo, assistia muito mais teatro e ópera do que nos é possível fazer no cotidiano.

Caminhos alternativos — Luis, o que é espiritualidade para você?

Luiz Seabra — Espiritualidade para mim é tudo o que a gente esteve descrevendo até aqui. Isso é espiritualidade. Perceber o que ocorre dentro de mim, que compromisso que eu tenho com o outro, ver a vida bem além das coisas ligadas a materialidade, ver mesmo no nosso cotidiano o que que há de eterno. O que há de mais profundo, o que há que não seja ligado apenas as questões do ter, mas sim as questões do ser. Então, para mim espiritualidade é o que acontece quando eu consigo estar dentro de um jardim comigo mesmo. Isso é espiritualidade.

Caminhos alternativos — E isso traz felicidade, traz o que?

Luiz Seabra — Traz serenidade, traz felicidade também. Você sabe que felicidade é uma palavra perigosa, como às vezes perigosa é palavra amor, porque pode ser interpretada de muitas diferentes formas, mas quando a gente fala de felicidade, eu gosto de dar porque é rapidinho, a fórmula da felicidade do Teilhard de Chardin. O Teilhard de Chardin dizia que a felicidade, pra ser alcançada, depende de três passos: O primeiro é que nós consigamos, cada dia, termos um momento de interiorização, de buscar lá dentro de nós, aquela chama que às vezes tá perdida, porque, poucas vezes conseguimos nos recolher de forma suficiente, pra que possamos ouvir o eco de nossa própria alma, daquela fonte que cada um de nós tem dentro de si. Esse é o primeiro passo. O segundo passo para se alcançar a felicidade do Teilhard de Chardin é o encontro com o outro. E vocês dizem, bom, mas o encontro com o outro, eu tenho tantos outros que eu me encontro diariamente e isso… Só que o encontro com o outro, a dignidade da vida do outro que é tão diverso de mim mesmo, me permite perceber que o outro também é um espelho de quem eu sou, não de quem eu acho que eu sou. Esta percepção do quanto e do que o outro pode ser em nossa vida, nos dá uma dimensão do outro muito diversa daquela que nós falamos no começo de nossa conversa: O outro apenas como projeções das minhas fantasias. O terceiro passo para se alcançar a felicidade, segundo, Teilhard de Chardin é que eu com a minha vida interior revisitada a cada dia, tendo encontrado o outro e percebendo o que ele é na minha vida, ter um sonho coletivo, ter um projeto de existência que justifique de tal forma o investimento do meu coração que isso valha mais do que a minha própria vida, relativizando, completamente, qualquer coisa de ego. Eu acho que a gente está neste mundo para tornar o mundo melhor. O mundo tem muito que ser feito pra gente longinquamente imaginar que ele esteja melhorando. Tem dores inomináveis que esperam pelos cuidados, que quem sabe, nós possamos levar. Tem corações esperando o nosso coração, tem muita gente esperando as palavras que somente nós poderemos dizer. Eu acho que isso justifica uma razão pra se viver maior do que a nossa vida individual.

Caminho Alternativos — Luiz Seabra, muito agradecidas por receber, aqui, o Caminhos Alternativos, e por essas lições de vida, né, Petrea?

Caminho Alternativos — Pois é. A gente tem o privilégio de ter algumas lições tão impactantes como essas. Longa vida, muitas belezas, Luiz. Muito obrigada!

Luiz Seabra — A gratidão é toda minha. Muito obrigado. Belezas e luzes na vida de vocês e de quem está chegando. Que haja um belíssimo e divino luminoso dedo apontando para os melhores caminhos alternativos para os alternativos caminhos que vocês têm apresentado com tanta frequência. A gratidão é minha.



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