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Mateus Solano e Thiago Fragoso protagonizam o primeiro beijo gay em horário nobre na Rede Globo

Posted by Cottidianos on 00:44
Terça-feira,  04 de fevereiro

Durante a história da humanidade,
Já se disse dos negros: Eles não têm alma. Eles não merecem ocupar os mesmos espaços que nós os brancos. 
Já se disse das mulheres: Elas não conseguem desenvolver tarefas relevantes na sociedade. Elas devem se dedicar apenas a trabalhos domésticos.
Já se disse dos judeus: Eles não merecem viver. Devem, portanto, sere exterminados em câmara de gás.
Hoje ainda se diz dos gays: Eles não merecem amar. Seus amores não podem vividos.
“Assim caminha a humanidade, em passos de formiga e sem vontade”, diz o cantor e compositor Lulu Santos, na música, Assim caminha a humanidade, com o qual eu concordo plenamente.
***

Já assisti muitos finais de telenovelas - por falar nelas, e complementando os pensamentos acima, já se disse delas que eram apenas para mulheres. Homens tinham vergonha de confessar que assistiam novela. Hoje todo mundo assiste e ainda se discute a respeitos dos temas tratados na telinha – porém, a última cena de Amor à Vida, exibida pela Rede Globo de Televisão, e que foi ao na sexta-feira, dia 31 de janeiro, creio ter sido, em minha opinião, umas das mais emocionantes, se não a mais emocionante dentre todos os finais de novela aos quais já assisti.
No dia anterior havia visto uma entrevista do autor da trama, Walcyr Carrasco, na qual ele dizia que a última cena de Amor à Vida seria algo marcante. Fiquei curioso para ver o autor apresentaria de diferente, capaz de prender a atenção dos telespectadores.  De fato, ele cumpriu o que prometeu: deu de presente aos telespectadores uma comovente cena da reconciliação entre pai e filho – em sua grande maioria, a última cena das novelas é uma cópia dos contos de fada, do tipo, “e viveram felizes para sempre”. Durante todo o decorrer da novela, Cesar (Antonio Fagundes), sempre desprezou e humilhou seu filho, Felix, por não aceitar sua condição de homossexual. É bom deixar claro também, que Felix (Mateus Solano) não era nenhum anjinho, tendo praticado diversas maldades, algumas delas muito graves. Durante a última fase da novela Cesar fica cego, e depois de saber que era rejeitado pela mulher a quem amava, sofre um Acidente Vascular Cerebral (AVC) e perde parte dos movimentos do corpo e da face.  Felix vai morar em uma casa em frente à praia com sua nova família: o companheiro Niko (Thiago Fragoso) e dois filhos do casal: um adotado e outro conseguido através de inseminação artificial,  e assume também, a responsabilidade de cuidar do pai doente.  

Imagem: http://acapa.virgula.uol.com.br/mobile/noticia.asp?codigo=23443

Todos os dias, o agora, dedicado filho, leva o pai, em cadeira de rodas, para tomar banho de sol. Na cena final da novela, eles estão em um desses momentos de quietude. Cesar já conseguiu recuperar um pouco da visão e o que consegue do por do sol é envolto em nevoa. A trilha sonora que embala esse momento é a Quinta Sinfonia de Mahler, em uma clara referência à uma cena do filme Morte em Veneza, do cineasta italiano Lucchino Visconti, gravado em 1971. Os dois estão sentados em cadeiras colocadas de frente para o mar. Ao fundo, um sol brilhante parece surgir de dentro do oceano. Felix diz para o pai: Pai, eu te amo!  E continua com os olhos fixos no mar, como se não esperasse em troca nenhuma palavra de carinho do pai. Cesar surpreende o filho ao dizer: Eu também te amo, filho. Felix chora emocionadamente, primeiro pelo fato de que o pai retribuíra ao seu afeto e chora, por ser a primeira vez em toda a sua vida, que Cesar o chama de filho.
A cena, a respeito da qual acabo de falar, pode ter sido a mais bonita, porém, não era a mais esperada. O que os milhões de telespectadores, espalhados por todo o país, queriam ver mesmo era o beijo entre o casal gay Felix e Niko. Estavam todos ansiosos por não saber se esse momento de amor entre os dois personagens iria acontecer ou não.
Quando a novela é boa, o último capitulo dela tem clima de final de Copa do Mundo. Foi assim com a novela Avenida Brasil exibida também pela Globo entre 26 de março e 19 de outubro de 2012. Foi assim, ainda que em menor escala, com Amor à Vida. Na sexta-feira os bares que não tinham telões instalados em suas dependências, tiveram menos clientes. As ruas ficaram quase vazias. Idem os supermercados.  Na verdade o que a grande maioria queria era estar no conforto do lar para acompanhar o último capítulo da novela.
A penúltima cena de Amor à Vida, lembra os bons momentos bucólicos, cheios de paz e amor, coisas das quais o mundo atual tem sentido tanta falta. Uma mesa de café-da-manhã, posta no jardim para que a família possa fazer a primeira refeição do dia... A babá das crianças, brincando no jardim com elas, enquanto espera o momento de levá-las para a escola... A conversa saudável entre os participes da cena...
Logo após a saída das crianças para a escola o casal começa a conversar sobre os afazeres cotidianos, sobre a rotina da casa e da família. Trocam palavras afáveis e gestos carinhosos... E, por fim, o tão esperado momento: o beijo entre os dois personagens selando uma bela união.  Tudo seria muito normal, não fosse o casal em questão ser dois homens que resolveram viver as suas vidas de acordo com aquilo que manda o coração.
Quando a cena do beijo foi ao ar em muitos lugares houve comemoração como quem comemora um gol feito na final do campeonato.


Imagem: http://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/novelas/beijo-de-felix-e-niko-reflete-momento-da-sociedade-diz-globo-2113

Como se chegou à tamanha expectativa? A novela, Amor à Vida, escrita pelo talentoso Walcyr Carrasco foi inovadora em diversos sentidos. Foi a primeira vez que se colocou um gay como protagonista da trama.  Felix não era o tipo de pessoa a quem costumamos chamar de bom moço. Talvez, por ter sofrido desde pequeno com a atitude homofóbica do pai, tenha se tornado um adulto revoltado e rancoroso, cheio de ciúmes do carinho e da preocupação que o pai nutria por Paloma, sua irmã. A maldade do personagem era tanta que ele chegou a joga a filha da irmã no lixo – por sorte a menina foi encontrada por Bruno, que depois viria a se tornar marido de Paloma. Essa foi apenas uma das maldades de Felix.
O interessante é que, apesar de tudo isso, o personagem ganhou o carinho do público. Ele era mal, mas também era muito bem humorado e proporcionou bons momentos de diversão. Com frases como: “Será que eu piquei salsinha na tábua dos Dez Mandamentos”? “Mamãe não tem um coração, tem um mousse de morango no lugar, de tão doce que é”. “Eu devo ter salgado a Santa Ceia”, Felix fazia-nos rir. E, depois de um difícil dia de trabalho, que não gosta de rir um pouco?
Percebendo que o personagem agradava ao público, o autor Walcyr Carrasco, deu jeito de humanizar o personagem. Tirou o arrogante Felix da presidência do Hospital San Magno e o leva para ser vendedor de hot-dogs, na rua 25 de março, em São Paulo, cidade onde é ambientada a trama. Em vez de comidas finas, hot-dog. E assim o personagem vai começando a se tornar humano. Pilar, a mãe do vilão, ao vê-lo em tal situação, resolve levá-lo de volta para casa, porém, lhe impõe uma condição:  a de que ele peça perdão a todas as pessoas as pessoas às quais ele prejudicou, a começar pela irmã Paloma.
Niko (Thiago Fragoso) vinha de um relacionamento homossexual com Heron (Marcello Antony). Após separar-se deste, e com o coração magoado, Niko conhece Felix, já nos últimos capítulos da trama. Depois de muitas brigas e discussões, os dois acabam ficando juntos.
Confesso que não esperava tal atitude por parte da emissora. Casais gays não são novidades na teledramaturgia brasileira. Vez ou outra aparecem personagens desse tipo. Porém quando se falava da vida sexual deles, tudo ficava apenas na insinuação. Beijo entre duas pessoas do mesmo sexo? Nem pensar! Ainda mais em pleno horário nobre. Não ia ser em Amor á Vida que isso iria acontecer. Pensava eu.
A cena do beijo, usando as palavras do próprio Mateus Solano, que interpretou o Felix, “Não foi de mais nem de menos. Foi na medida certa daquilo que o público estava esperando”. Tudo feito com muita arte, beleza e sensibilidade.
Já havia visto o Mateus fazendo outros papéis em novelas, mas sempre o achei um ator mediano.  Porém com a atuação em amor à vida mudei minha visão em relação a esse ator. Não é fácil fazer um vilão gay, em horário nobre e ainda por cima conquistar o carinho e admiração do público. Isso não é para qualquer um.

Fiquei surpreso também com o amadurecimento da sociedade brasileira em relação a essa questão da aceitação ao que é diferente. A tomada de consciência de que duas pessoas do mesmo sexo podem construir uma família bem estruturada e estabelecer uma relação saudável e duradoura como qualquer casal heterossexual.

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